domingo, 24 de setembro de 2017

SAUDADES DO TÉDIO (PEDRO DORIA)


Há valor no tédio. Não é um conceito com o qual estamos acostumados a lidar, mas há imenso valor. O tédio, na verdade, é fundamental para um número incrível de habilidades humanas, a começar pela criatividade. Sem tédio não há criatividade. E isso é um problema. Porque, cada vez com mais frequência, evitamos o tédio, o momento do nada: a sala de espera do dentista, a fila do caixa, a corrida de táxi. Ou Uber. Até, repare bem, naquele ir do quarto à sala, vacilou, mão ao bolso, pegamos o celular. Só para uma espiadinha.

Este é o tema do livro “Bored and Brilliant”, da jornalista americana Manoush Zomorodi, que foi correspondente da BBC em cantos do mundo como a Sérvia em guerra, a Palestina da Intifada, e a Macedônia negociando sua paz. De correspondente internacional, virou repórter de tecnologia e, na rádio pública americana, passou a assinar um podcast semanal. Chama-se Note to Self. Sua preocupação sempre esteve no convívio com nossas maquininhas. E é saltando de assunto em assunto que esbarrou em sua própria dificuldade de ter ideias novas.

Aí, começou a fazer perguntas.

Quando não fazemos nada, ouviu de um neurocientista após o outro, a cabeça começa a ir embora. Uma memória. Uma vontade. Lentamente um ponto liga ao outro, e entramos num estágio que muita gente chama de sonhar acordado. De fato, é quando consciente e inconsciente se comunicam, relações são feitas, de forma aleatória.

É assim que surge criatividade.

Os momentos do tédio não servem apenas para isto. Este deixar que o cérebro se leve nos permite reviver certos momentos antigos ou recentes e, assim, organizar a história de nossas vidas. Imersos nessas memórias todas, ganhamos compreensão de quem somos. O lembrar de uma discussão e refletir sobre como poderia ter sido diferente, ou então fazer planos futuros, traçar uma estratégia sobre como chegar lá.

O tédio é fundamental para nossas vidas. E tanto smartphones quanto os melhores apps são construídos para preencher os momentos de tédio. Aliás, brinca Manoush, só dois tipos de negociantes chamam seus clientes de usuários. Aqueles que vendem drogas e os outros. Que vendem tecnologia. Pois ponha algumas das mentes mais aguçadas do planeta para resolver o problema de eliminar o tédio e, bem, conseguiremos. Andamos com cada vez menos momentos de tédio.

E andamos exaustos por falta deles.

Não tem solução fácil. Mas a veterana jornalista sugere exercícios para uma semana, cada dia com sua tarefa distinta.

Dia 1. Deixe o celular no bolso. No carro, no metrô, nos momentos em que vai de um ponto ao outro, não toque no celular. Nem para música.

Dia 2. Não tire nenhuma fotografia. Quanto mais jovem, mais difícil.

Dia 3. Apague o app que você usa mais. Pode reinstalar no dia seguinte. Mas, por 24 horas, viva sem.

Dia 4. Por um período de algumas horas, não esteja disponível online. Não responda e-mails, WhatsApps, comentários. De preferência, sequer os veja.

Dia 5. Tente descobrir, no mundo, um detalhe curioso, intrigante, algo que você nunca tinha reparado.

Dias 6 e 7. O mais divertido. Ponha uma panela com água no fogo e assista ferver. Aí, abra sua carteira e faça uma maquete da casa de seus sonhos com o que estiver lá dentro. Notas, moedas, cartões, papeizinhos. Imagine esta casa e faça.

O último exercício foi desenhado pela artista contemporânea Nina Katchadourian. O objetivo é levar qualquer um àquele ponto no qual todos nos distraímos e nos perdemos para, então, estimular o estado do sonhar acordado. É um exercício de criatividade.

Por Pedro Doria. 

Fonte: Estadão

sábado, 9 de setembro de 2017

O MELHOR INVESTIMENTO QUE UM PAI PODE FAZER (ROB PARSONS)


Quem tem filhos pequenos, preste muita atenção ao que vou dizer sobre os adolescentes, para evitar certos problemas. Enquanto eles são pequenos, abrem totalmente o coração para nós. Já o adolescente fala por resmungos. Na infância, eles adoram andar na rua de mãos dadas com o pai. Na adolescência, nem querem que o vejam em sua companhia. Hoje, eles vão dormir por volta de 10:00 horas. Quando forem adolescentes, você poderá ter de ficar acordado até de madrugada, preocupado com eles. No presente, você acha o quarto deles muito bagunçado. Na adolescência, talvez precise tomar uma antitetânica antes de entrar.
Se, por um lado, tudo isso é verdade, por outro é muito provável que, se lhe dispensarmos atenção quando estão com 5, 6 e 7 anos, eles nos escutarão quando tiverem 15, 16 ou até 17.  Lloyd, meu filho, tinha o hábito de entrar comigo no banheiro todos os dias pela manhã, quando eu ia me barbear.
“Pai, me conta uma história enquanto o senhor faz a barba”, dizia.
Criamos um personagem imaginário, de nome “Tommy”, protagonista de grandes aventuras. A de que ele mais gostava era uma em que um garoto brigão ia bater em “Tommy” sem saber que na verdade estava diante era de seu irmão gêmeo, por acaso faixa preta de caratê.
Todas as manhãs, ele me pedia para eu lhe contar uma história. Certo dia, porém, não apareceu mais. Nem mesmo se deu ao trabalho de dizer:
“A propósito, pai, hoje é a última vez que quero ouvir história.” 
Essa fase se encerrou num dia frio de inverno, às 7:00h da manhã.  Era apenas uns instantes que passávamos juntos, e eu lhe contava uma história. Contudo o princípio se aplica a todas as situações da infância. Nesse período, os filhos querem estar conosco. Querem saber o que pensamos. Perguntam coisas que são do interesse deles e escutam o que temos a ensinar-lhes e é importante para nós. Quem melhor ilustrou o fato de que nossas oportunidades de conviver com os filhos na infância são breves demais foi Harry Chapin, que compôs uma música intitulada Cat’s in the cradle(O gatinho está no berço). Nela, ele fala de um garoto que todos os dias pedia ao pai que passasse alguns momentos com ele.
“– Quando é que você volta, papai?
– Não sei, mas a gente vai se ver. E aí vamos nos divertir a valer.”
Mas esse pai é muito ocupado: “Tenho contas a pagar, aviões para pegar.”
E mais adiante, o menino cresce, completa 10 anos, e sempre dizendo:
“– Obrigado pela bola, pai. Vamos lá fora jogar?” 
E o pai continua só prometendo que muito breve eles vão sair juntos. Afinal acontece o inevitável: o garoto se torna adulto. Agora o pai tem bastante tempo para estar na companhia dele, mas a oportunidade passou.
“Outro dia ele chegou da faculdade,
Está mesmo um homem feito, e tive de dizer:
– Filho, estou muito satisfeito com você. Sente-se um pouco aqui.
Ele abanou a cabeça e respondeu sorrindo:
Eu  queria mesmo, pai, é pegar o carro emprestado.
Será que pode ser? Eu o vejo mais tarde!
Quando é que você volta, filho?
Não sei, mas a gente vai se ver. E aí vamos nos divertir a valer.”
São poucos os que podem pensar nessas questões sem sentimento de culpa. E com certeza, os momentos que passamos em companhia dos filhos quando eles estão pequenos são da maior importância. O melhor de tudo, porém, é que em qualquer idade, seja 3 ou 33, sempre podemos exercer uma forte influência em sua vida. Muitos homens começam a ter um bom relacionamento com o pai depois que saem de casa. E seja qual for a fase em que nos encontremos, os elementos de que precisamos para essa convivência continuam os mesmos: tempo e a disposição de aproveitar o momento presente.
Vamos, então, pensar nesses dezoito anos iniciais da vida de nossos filhos, imaginando que a ampulheta, em vez de areia, contém dias. Nesse caso, quando eles nasceram, ela estava com 6.570 dias. Se nosso filho já completou dez anos, já se passaram 3.650 dias. Restam apenas 2.920. Lembremo-nos de que nunca poderemos aumentar esse número, mesmo que tenhamos muito dinheiro, poder ou prestígio.
Rob Parsons é diretor de CARE for the Family e conferencista mundialmente conhecido na área de relacionamento e vida familiar.
Esse artigo foi extraído de seu livro  O Pai 60 Minutos, publicado pela Editora Betânia.